Daniel Cassol/UOL Esporte

Bandeiras do Uruguai são vendidas em Montevidéu na véspera da semi contra Holanda

06/07/2010 - 07h06

Comando firme e renovação levam Uruguai a campanha histórica na Copa

Daniel Cassol
Em Montevidéu (Uruguai)

Mesmo com a chuva prevista para esta terça-feira, milhares de uruguaios devem tomar os principais pontos do centro de Montevidéu para ver a seleção nacional pegar a Holanda na semifinal da Copa do Mundo. Há uma comoção nacional em curso. Mais do que a volta da mística da Celeste, porém, o Uruguai colhe frutos de um processo de renovação de jogadores e mudanças no comando da seleção, sob a batuta do técnico Oscar Tabárez.

'TABÁREZ É O GRANDE GESTOR DISSO'

  • Daniel Cassol/UOL Esporte

    Principal crítico dos cartolas uruguaios, jornalista Ricardo Acevedo atribui a campanha da seleção na Copa ao fim da interferência de empresário e ao trabalho sério do treinador Oscar Tabárez

“Houve uma mudança de mentalidade na seleção e isso foi um triunfo de Tabárez”, resume o jornalista Ricardo ‘Gabito’ Acevedo, colunista do diário La República, de Montevidéu, em entrevista ao UOL Esporte. Contumaz crítico dos dirigentes do futebol uruguaio, o jornalista é autor de um livro publicado em 2008 que levou à Justiça o empresário Francisco ‘Paco’ Casal, que controla quase todo o negócio do futebol uruguaio, de transmissões de TV a direitos de jogadores. Para Acevedo, a perda de poder de Paco Casal e a chegada de Tabárez resultaram em menos interferências políticas e econômicas na seleção do país.

Tabárez era o técnico da seleção uruguaia na Copa de 1990, última vez que o país havia chegado às oitavas. De volta à seleção desde 2006, Tabárez passou a coordenar as categorias de base, neutralizou o poder de Paco Casal na convocação de jogadores e teve a ‘sorte’ de contar com uma boa safra de atacantes, como Diego Forlán e Luis Suárez.

Aconteça o que acontecer contra a Holanda nesta terça, Acevedo acredita que a seleção uruguaia tem tudo para voltar a ter mais presença no cenário mundial. Os clubes locais, com mais autonomia para obter lucros com transferências ao exterior, poderão formar mais jogadores num tradicional berço do futebol. E assim será mais ‘celeste’ o horizonte da seleção nacional.

Confira os principais trechos da entrevista com Ricardo ‘Gabito’ Acevedo, que diz ter documentação suficiente para lançar, até a Copa América da Argentina no ano que vem, um segundo livro com denúncias contra dirigentes esportivos, inclusive brasileiros. “Um escândalo mundial”, promete.

Qual é o grau de participação de Oscar Tabárez nesta campanha do Uruguai na Copa do Mundo?
Ele é o grande gestor disso. Tabárez teve uma visão de que, se fosse feito um determinado trabalho, se poderia pelo menos competir dignamente no Mundial. Falei com ele dez dias antes da viagem à África e me disse que o objetivo era chegar às oitavas e então ver o que ocorreria. Tabárez tem mais paternidade sobre este momento do que os dirigentes: os mesmos que hoje dizem que ele deve continuar há dois meses queriam sua saída.

Você critica a ingerência do empresário Paco Casal nas convocações para a seleção uruguaia. Como isso mudou com Tabaréz?
Desde o ano de 1990 até hoje, é a primeira vez que o poder de Paco Casal não tem influência. Ele foi neutralizado e está longe de todo processo da seleção. Tabárez voltou com algumas linhas de trabalho bem claras. Não quer mais incidência dos empresários. Não quer mais Casal na seleção e separa a gestão econômica da gestão do futebol. Antes, os dois processos se mesclavam.

Mas se há esta mudança, por que o Uruguai foi mal nas Eliminatórias, se classificando apenas na repescagem?
O sistema de competição das Eliminatórias é muito difícil, o próprio Brasil sentiu também. E vínhamos de muitos anos de fracasso. Diante de qualquer derrota, havia pressão popular, da imprensa e dos dirigentes. Tabárez esteve a ponto de ser demitido, quando empatou contra Costa Rica na repescagem. Na África, a seleção foi jogar sem pressão. O grande objetivo era ir para o Mundial e fazer uma atuação digna. Aí empatamos com a França, vencemos a África do Sul e a equipe cresceu. Tabárez escolheu os melhores jogadores, adequados ao seu sistema, e não os que Casal queria.

Existe um processo de formação de jogadores no Uruguai?
Há um novo processo de formação de jogadores no futebol uruguaio. E isso custa muito dinheiro à federação uruguaia, que é criticada pelos clubes inclusive. São três seleções juvenis mantidas, o que custa muito dinheiro para um futebol pobre. E em todas elas Tabárez participa. Durante o período em que as Eliminatórias pararam, entre final de 2008 e 2009, Tabárez ia todos os dias supervisionar o trabalho, tratando de formar uma mentalidade nos jogadores.

Que lições positivas ficam da participação uruguaia na Copa, independente do resultado que conseguir contra a Holanda?
Os pontos positivos foram a recuperação da independência política e econômica da empresa que esgotou o futebol uruguaio nos últimos anos. Além disso, foi confirmar que, se o trabalho é feito seriamente, é possível chegar a resultados. Mais do que convocar bons jogadores, é importante escolher boas pessoas. Houve uma mudança de mentalidade na seleção e isso foi um triunfo de Tabárez. Ele confeccionou algo que se chamou “lista negra”, na qual estavam alguns jogadores que não foram mais convocados. Depois da Copa América da Venezuela em 2007, ele se convenceu de que era preciso uma mudança brusca de rumos no perfil dos jogadores.

Você vê o Uruguai voltando a ser uma potência do futebol mundial daqui para frente?
É possível que passem muitos anos e não cheguemos outra vez às semifinais de uma Copa, mas classificar a um Mundial já não vai ser algo difícil para nós. O Uruguai precisa voltar a ser a terceira força do futebol sul-americano. Precisamos seguir formando bons jogadores, os clubes têm que poder vender seus jogadores por muitos milhões de euros, mas que o dinheiro venha para os clubes, e assim ir consolidando esse projeto e fazendo-o mais eficiente. Não tenho dúvidas que Tabárez cometeu erros, mas ele tem capacidade para reconhecê-los. Quando se trabalha objetivamente, as utopias podem se transformar em realidade.

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