Shin Shikuma/UOL Esporte

Crianças da Aldeia Krukutu jogavam bola enquanto o Brasil enfrentava a Holanda

03/07/2010 - 07h31

Indiferentes à Copa, índios trocam os jogos do Brasil por 'peladas' no quintal

Flavia Perin
Em São Paulo

Torcer pela seleção brasileira à maneira indígena é sinônimo de vestir e enfeitar as casas com algum verde e amarelo, mas sem abandonar o ritmo desacelerado de hábito nem sofrer ou se revoltar pelo resultado. Localizada no bairro paulistano de Parelheiros, na Área de Proteção Ambiental Capivari-Monos, a Aldeia Krukutu não mudou sua rotina para vibrar pelo Brasil durante a Copa – e não seria diferente diante da derrota.

NA TRIBO, TORCIDA ESCASSA

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    Natalina Bolantim, uma das únicas a ver a partida até o fim

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    Organizador do futebol local, José Pires defendeu Dunga

Os 250 índios guarani que lá vivem gostam de futebol, sim. Ainda que a TV do salão comunitário, ligada no jogo contra a Holanda, quase não tenha atraído plateia. Alguns viam partes do jogo e, sem comentar nada com os demais, levantavam e iam embora.

Natalina Bolantim foi uma das poucas pessoas que se mantiveram na frente da tevê até que a partida fosse encerrada. São-paulina, nunca esteve num estádio, mas revelou que tem a camisa do seu time e citou Cicinho como um dos craques prediletos. Os filhos Gerson, de 5 anos, e Carlos, de 3, brincavam o tempo todo do lado de fora. Outros garotos trocavam passes de bola.

“Muitos estão vendo o jogo de suas casas”, justificou Luiz Carlos Rodrigues, secretário da Associação Guarani Nhe’ê Porã e coordenador-geral do grupo de canto e dança.

Ele contou que os são-paulinos são maioria ali, já que um dos dois times locais, o Esporte Clube Krukutu, joga com a camisa do São Paulo – o outro time, Guarani Krukutu, usa uma camisa amarela. Mas ressaltou que há corintianos, palmeirenses, santistas e até flamenguistas na comunidade.

Filho de mãe descendente de guaranis e pai paraguaio, Luiz acreditava no trabalho de Dunga – “Ele sabe o que está fazendo” – e na vitória do Brasil até o começo do 2º tempo. Chegou a afirmar que a seleção passaria pela Holanda. “Vi os holandeses jogando, eles são muito nervosos. É só o Brasil manter a calma.” De certa forma, Luiz parece ter previsto o desfecho desta história.

E A VIDA SEGUE PACATA...

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    Meninos guaranis brincam no dia da eliminação brasileira

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    Rosana Paramirim, 17 anos, e a sobrinha Samara após a partida

Após a eliminação, limitou-se a comentar: “Fazer o que, né?”

E por que não torcer pela seleção da origem paterna, o Paraguai? “Eu até podia, mas tô no Brasil...”, respondeu no constante tom calmo.

Luiz é professor bilíngue (português e guarani), estuda inglês com uma professora particular, já colaborou como tradutor de livros da cultura guarani e prepara o seu, sobre aprendizagem guarani. Também dá palestras sobre a história e a língua de sua tribo, tem noções de informática “ensinadas por um americano”, mantém o blog “Um homem secreto” e comanda o grupo de canta e dança – que é embalado por violino, violão e zabumba e composto por 24 crianças.

Time do coração: Real Madri. Jogar futebol com os companheiros atualmente é algo “difícil”. “Jogava quando tinha 13, 14 anos, mas hoje estou torto.”

Corintiano com a camisa do São Paulo

Há sete anos, José Pires é o organizador do futebol da aldeia. Pensou em ser profissional, mas nunca levou a ideia a sério. Apesar de corintiano, tem de vestir a camisa do São Paulo ao defender o Esporte Clube Krukutu.

“Não tem preconceito. Todos jogam juntos, não tem discussão. Torcedor nervoso faz perder e jogo violento não resolve, só prejudica.”

Ele conta que seu time disputou um campeonato em Pirituba no último fim de semana, mas que estava incompleto e perdeu. “O pessoal não tem vontade”, lamenta.

Sobre a atuação do Brasil na África, pondera: “Acreditava que o Brasil fosse ganhar, estava torcendo. Infelizmente faltou sorte. Não jogou legal, tinha que ter atacado, mas não é culpa do Dunga. É culpa dos jogadores.”

Em seguida, José confessa que não sabia a escalação do Brasil de cor. “Só fico de olho quando entram em campo.”

Seus ídolos atuais são Dentinho, Roberto Carlos e Ronaldo, mas diz gostar mesmo de Romário. “Até torci para o Botafogo por causa dele, e depois mudei de time por ele”, conta, abrindo um sorriso tímido.

Serviço: Para visitar a Aldeia Krukutu, é necessário agendamento (tel. 5978-4325). O passeio custa R$ 10 por pessoa e inclui trilha de 40 minutos e palestra sobre a cultura e os hábitos dos guaranis.
 

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