01/07/2010 - 11h25

"Inferninhos" revelam "versão familiar" durante os jogos da seleção brasileira

Vinicius Mesquita
Em São Paulo

SERÁ A BALADA DE TODAS AS BALADAS?

  • Mastrangelo Reino/Folha Imagem

    O rapper norte-americano Ja Rule já fez show privê

  • Flavio Grieger/Folha Imagem

    Sertanejos Bruno e Marrone deixaram a casa cheia

 

A linha tênue que separa uma boate comum de um “inferninho” sofisticado está prestes a se dissolver. Quando soube que alguns clubes promíscuos de São Paulo agendavam shows de gente famosa como Bruno & Marrone e Preta Gil, imaginei que, em breve, poderíamos encontrar no mesmo ambiente a minha avó (interessada em ver os sertanejos) e as garotas de programa. Para avaliar locais tão sui generis como esses, escolhi o dia da partida entre Brasil e Chile, pelas oitavas de final da Copa do Mundo. E preferi, pelo menos nessa primeira viagem, deixar a avó em casa.

Os preços de dois locais consultados variavam entre R$ 100,00 e R$ 200,00. Por este valor, o cliente ainda teria liberdade para consumir o churrasco feito na hora e beber quantas canecas de chope seu fígado pudesse suportar em 90 minutos de partida (mais os 15 minutos de intervalo e, quem sabe, a prorrogação, a cobrança de pênaltis...). Optei pelo lugar que anunciava o tal do espetáculo da Preta Gil e cheguei assim que a partida do Brasil começou.

O local era imenso, divididos em oito ambientes. A área externa, onde estava o churrasqueiro, tinha uma banda de samba e forró como atração principal. Ficavam por lá os mais interessados pela carne e dispersos em relação ao futebol. As meninas, boa parte delas uniformizada com a camisa da seleção brasileira, sambavam solitárias a espera de um contato.

A imagem, pasmem, trouxe à minha memória os bailes de formatura do colégio. Os homens, reticentes, beliscavam a picanha enquanto se limitavam a acompanhar com os olhos os movimentos faceiros das senhoritas. Elas, por outro lado, demonstravam um dedinho de recatamento, sem partir para avanços abruptos que pudessem gerar alguma cena constrangedora.

Para quebrar o clima, resolvo perguntar para uma das garotas uniformizadas a primeira questão que vem à cabeça: “Está bem movimentado aqui, não?” E ela responde, balançando com as mãos nos meus quadris: “O movimento de verdade você verá mais tarde....”

“Opa!”, respondi encabulado. Aquela reflexão nostálgica que me trouxe as lembranças dos bailinhos de formatura se dissipou instantaneamente. Descobri que o clima poderia esquentar após uma rápida tentativa de aproximação. Educadamente, disse à moça que estava interessado em acompanhar o jogo do Brasil e troquei a área externa pelo salão central da boate.

A decoração era inconveniente. A sala principal, equipada com doze televisões de LCD e dois enormes telões, tinha lanternas japonesas (sim, também me perguntei: “por que as japonesas???”), nas cores verde e amarelo, estrategicamente penduradas sob o mezanino. Os enfeites atrapalhavam a visibilidade de quem estivesse sentado próximo ao balcão ou nos sofás laterais.

O DJ comportava-se como um comentarista. A cada chance perdida pelos brasileiros, uma piadinha fora de propósito. “Esse Luís Fabiano...E nós vamos aguentá-lo até o final da Copa”, berrava o DJ. E a cada gol do Brasil, um insuportável grito de vuvuzelas amplificadas pelo equipamento de som local se mesclava ao sopro de outras pequenas cornetas, artefato preferido das meninas.

“Tá muito fácil para o Brasil. Vamos lá, minha gente, vamos torcer! E vocês já sabem! Na próxima sexta-feira, estaremos aqui novamente. Muito churrasco, chope e futebol para vocês”, gritava o DJ, profetizando a classificação brasileira.

A BELEZA DAS ARQUIBANCADAS DA ÁFRICA

Um sujeito ao meu lado, tão solitário quanto eu, com a caneca de chope na mão, dizia: “Cara, no jogo do Brasil contra a Costa do Marfim isto aqui estava muito mais cheio!” Eu não tinha feito nenhuma pergunta, mas preferi responder ao camarada: “Mas está bem cheio hoje! E tinha mais homens ou mulheres?” E ele me respondeu: “Mais homens! Hoje está mais agradável aos olhos!”.

Por enquanto, tudo corria de maneira relativamente pudica. Nenhum striptease a vista e a única pessoa que puxou conversa comigo foi meu colega de balcão. Aparentemente, minha avó teria condições de estar aqui, ao meu lado.

Durante o intervalo da partida, os garçons circulavam em alta velocidade com seus pratinhos de picanha. Alguns engravatados, mais relaxados, chamavam as garotas para um bate-papo. “Tem cada cara chato”, comentou uma das meninas. “Tem um cara aí que só vai sair comigo depois que receber o telefonema da mulher. Ele disse que 'precisa se garantir antes'! E eu vou ficar esperando!?”

Resolvi dar uma volta pela boate. Na sala ao lado, um clube de uisque vazio. Mais adiante, o restaurante muito bem decorado, com cardápio variado e preço acessível. Encontrei uma sala fechada, próxima aos banheiros, no final de um longo corredor e perguntei: “Não pode entrar?”

E um dos funcionários disse: “Está fechado hoje.” E insisti: “Posso conhecer?” O funcionário abriu a porta e comentou: “Aqui fazemos alguns eventos particulares, quando alguém quer organizar uma festa especial. Também abrimos quando o salão fica muito cheio! No show do Ja Rule isso aqui ficou lotado!” E, assustado, comentei: “Ja Rule, o famoso rapper!? Fez show aqui também?” Ganhei um sim como resposta.

Retornei ao salão central para acompanhar o segundo tempo. As meninas, animadinhas no intervalo, acabrunharam-se assim que a bola começou a rolar. “Em dia de Copa do Mundo fica mais difícil, né?”, perguntei a uma delas, conhecida como Solange. “Dividir a atenção com a seleção brasileira não é fácil. Quando tem jogo, eu fico no canto até terminar”, ela respondeu.

E novamente perguntei. “Mas como está funcionando a casa nesses dias de Copa?”

“Nós temos que mudar nosso horário, né, gato? Cheguei mais cedo e pretendo sair mais cedo. Quer brincar?”

Indaguei: “Como faz?”

“Você paga o quarto de hotel e depois me dá um presentinho.”

E o presentinho não era muito barato. Em dia de jogo do Brasil, as meninas não passeiam por menos de R$ 300,00. Algumas pedem uma lembrancinha de R$ 600,00.

“A Copa do Mundo inflaciona o mercado...” retruquei com mais uma frase sem graça.

“Mas, gato, a seleção está em campo. As pessoas ficam mais animadas. Eu fico alegrinha e vou deixar você mais alegrinho também!”

“Fica para uma outra oportunidade”, concluí.

A vitória brasileira parecia certa. O Chile não oferecia perigo e os torcedores, entediados com a partida, davam mais atenção às últimas lascas do churrasco. No ar, o forte odor de cerveja ressecada e a fumaça de bife entorpecia os sentidos. O jogo ainda não tinha terminado, mas o clima era de fim de festa. As meninas, na corrida contra o tempo, mudaram de estratégia e partiram para o ataque antes que a casa esvaziasse.

“Você não bebe?”

“È que eu vou trabalhar depois....”, respondi.

“Que coisa, em dia de jogo do Brasil é assim! Durante o jogo, ninguém fala. O jogo acaba e a nossa festa também!”, reclamou a menina.

E comentei: “É o churrasco, o futebol e a cerveja. O ambiente fica mais familiar na Copa....”

“É, meu bem, durante o jogo o ambiente é mais tranquilo, mas fica aqui depois do jogo para você ver o que eu faço com você”, concluiu.

Ela provavelmente tinha razão. Mas ao apito final do juiz fui embora sem presenciar a metamorfose do local. À minha avó, eu teria dito: “Pode ir lá naquela casa, mas saia aos 44 minutos do segundo tempo, por favor.”

 

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