Paulo Whitaker/Reuters

Ver a seleção brasileira? Neste domingo, só assim, de longe e às escondidas

13/06/2010 - 17h21

Fechar ou não o treino do Brasil? Duas visões sobre a reclusão

Alexandre Sinato e Bruno Freitas
Em Johanesburgo (África do Sul)

A decisão de fechar os treinos da seleção na Copa do Mundo se tornou um expediente corriqueiro do técnico Dunga na reta final de preparação para o torneio. A validade da iniciativa foi o tema deste domingo na cobertura da equipe em Johanesburgo, dominou a coletiva dos jogadores Maicon e Ramires e provocou debates acalorados entre os jornalistas que vêm seguindo a equipe na África do Sul.

A seguir, duas visões diferentes da equipe do UOL Esporte sobre a estratégia de mistério de preparação, somada ao relacionamento com a mídia nacional.

Dunga, os treinos fechados e a relação com a imprensa

Aceitemos, Dunga tem todo direito Imprensa: o 32º adversário de Dunga
Por Bruno Freitas
Por Alexandre Sinato

Por mais que se esperneie contra, Dunga está no seu direito em optar por fechar os treinos da seleção na Copa. Neste domingo, pela terceira vez nos últimos quatro dias, o Brasil trabalha para a estreia no Mundial na terça-feira com o mistério a seu lado, contando com os portões fechados na Randburg High School, em Johanesburgo.

Esmagadora parte da imprensa nacional chiou contra, tentou tirar dos jogadores destacados para a coletiva do dia (Maicon e Ramires) uma palavra de solidariedade à causa e, por fim, reclamou com o departamento de comunicação da CBF sobre prejuízos à cobertura de Copa.

Membros da imprensa ainda argumentam que a reclusão dos treinos impede a chegada de informações da seleção até o torcedor do país, questionam os ganhos da prática. No entanto, por mais difícil que seja aceitar numa perspectiva mais individualista, esta não deve ser uma preocupação prioritária de Dunga, mesmo que a medida inspire dose adicional de antipatia a sua imagem.

O técnico não deve nem cogitar se culpar pelo fato de as imagens de Kaká e Robinho em treinos não estarem alcançando as TVs brasileiras. A satisfação obrigatória do treinador com a torcida é fazer seu time na estreia passar por cima da Coreia do Norte, 105ª do ranking da Fifa, adversária de relevância praticamente inexistente no futebol internacional. A satisfação necessária é achar um jeito de seu meio-campo engrenar, inspirar confiança aos fãs.

Se falhar nesta missão, aí sim, Dunga deverá ser encostado na parede, contestado sobre a eficácia de suas impopulares estratégias de trabalho. Se for progredindo na Copa, por outro lado, ganha respaldo para manter seu planejamento sem retoques. Mas o fato é que existe um alto risco que não pode ser ignorado pelo comandante.

Em todo este contexto, a consequência que o treinador talvez precise lidar (e quem sabe até assumir) é a animosidade crescente na relação com a imprensa do país. Mais do que nunca se ensaia um clima de “nós contra eles”, que, na cabeça do capitão do tetra, talvez até seja interessante para motivar seu grupo dentro da filosofia ‘guerreira’, expressa até em comercial de cerveja.

A medida que tanto desagrada a imprensa brasileira é regra, por exemplo, na Coreia do Norte, adversária do time de Dunga na terça-feira. Outras forças tradicionais do futebol internacional usam o mesmo expediente desde sempre, como a Argentina. Mas lá, não há quem se levante contra a postura de Maradona. E não porque ele é o ‘Diós’ Maradona, mas porque já há tempos é assim que funciona.

A impressão desta rixa é que, em alguns momentos, a mídia se atribui mais valor do que realmente tem, mesmo com sua imensa responsabilidade de transmitir ao país as notícias da seleção na Copa. Na mesma linha, o próprio Dunga confere mais importância à influência do pelotão de jornalistas na preparação de seu time do que de fato acontece.

O objetivo de Dunga é vencer a Copa. O da imprensa, informar. A relação entre os dois lados nunca foi tranquila. Até aí, vida que segue. Cada um faz o seu. Mas nada é tão simples. E Dunga nem quer que seja. O treinador deixa claro que a imprensa é uma inimiga. Reclama e critica aqueles que julga torcerem contra a seleção (na sua conta são 300), mas age da mesma forma. Transforma a convivência em um duelo permanente e tenta tirar proveito disso internamente.

A linha de Dunga: a seleção está contra tudo e contra todos. Seu recado para os jogadores: ou vocês estão comigo, ou estão com eles (jornalistas). Não há meio termo. Não na cabeça do treinador. Desde o início da preparação em Curitiba, muitos jogadores chegavam "armados" para as entrevistas. Iam prontos para enfrentar os inimigos dos microfones. Mas o cotidiano tranquilo aliviou tal contato. Foi tudo em paz.

Agora, a dois dias da estreia do Brasil na Copa, a relação entre Dunga e imprensa chega a um ponto de tensão. Dunga fechou o treino do último sábado como retaliação à repercussão dada ao entrevero entre Daniel Alves e Júlio Baptista. Os dois se estranharam em uma dividida. Algo normal do futebol e que foi divulgado. Mas treinador e jogadores se incomodaram. Acharam exagerado o espaço dado ao lance.

Neste domingo, Dunga decidiu fechar o terceiro treino em quatro dias. E tem o direito de fechar quantos treinos achar necessário. Sua obrigação é fazer o time vencer a Coreia do Norte, depois a Costa do Marfim, depois Portugal e depois quem mais aparecer pelo caminho.

Se para isso ele acha importante trabalhar longe das câmeras, que as câmeras fiquem longe. Se esconder a equipe ajudará a superar a poderosa Coreia do Norte (105ª colocada no ranking da Fifa e sem vencer há sete jogos), que o treino seja escondido. O importante é ganhar quando a Jabulani rolar.

Mas Dunga vai além, ele pinta os jornalistas como seus rivais. Para ele, a seleção tem 31 adversários em campo e um nas tribunas. Em 1994, quando levantou o troféu do tetra como capitão, ele "ofereceu" o título aos jornalistas definidos por ele como traíras. O mesmo acontece agora.

A imprensa reclama dos treinos fechados, com direito. São 700 profissionais brasileiros seguindo a seleção na África do Sul. O fato de Dunga fechar mais um treino dificulta o trabalho de todos. Ele, inclusive, contraria inúmeros interesses. Dá de ombros para a pressão da TV e trata todos da imprensa praticamente da mesma maneira. É difícil identificar privilégios. São todos inimigos.

A sequência de dois treinos fechados, não prevista, intensificou a discussão sobre a relação entre Dunga e imprensa. O tema pode ser visto de inúmeros ângulos. A equipe do UOL Esporte que acompanhou a seleção neste domingo, por exemplo, teve divergências, como fica evidente nestes dois textos. Para Dunga, entretanto, estamos todos no mesmo balaio.

 

 

 

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