O que Rio Ferdinand, da Inglaterra, Michael Essien, de Gana, e Nani, de Portugal têm em comum? Os três jogadores foram cortados de suas respectivas seleções e perderam a chance de disputar a Copa de 2010. A lista de craques, reforçada por nomes ainda incertos em outros países – como Didier Drogba, Arjen Robben e Andrea Pirlo –, revela um problema que, se não é novo no futebol, ganha destaque justamente pelos atletas de peso afetados às vésperas do Mundial.
Marfinense Didier Drogba tem o braço machucado
Italiano Andrea Pirlo sofre lesão na panturrilha
Holandês Arjen Robben sente dores na perna
Estudiosa do tema e co-autora do livro "Psicologia do Esporte Aplicada", a psicóloga Marisa Markunas compara a tensão pré-Copa com os momentos que antecedem o casamento. "É preciso olhar para uma gama de pontos para chegar a uma conclusão, e é claro que no esporte há situações absolutamente acidentais, mas sabemos que quando o sujeito está acelerado, irritado, estressado, seu sistema imunológico fica mais suscetível", explica. “Com isso, o atleta fica mais sensível, o que em escala menor pode acarretar gripes, dores de garganta; em maior, uma lesão física.”
A psicóloga do esporte acrescenta outras consequências do estresse e da queda do sistema imunológico. “O estresse e o processo de desgaste físico, hormonal, emocional levam a um nível de ativação maior, que pode resultar em excitação ou sonolência. Com isso, a pessoa pode ter dificuldade de dormir, tudo por conta da adaptação do organismo a um processo que não necessariamente é ruim.”
“Daí vêm as lesões que chamarei de ‘não traumáticas’, como a tendinite, que é uma inflamação, e quadros que não aparecem com cara de lesão esportiva, ligados a queda imunológica, como desarranjos, por exemplo." Ela cita o caso do nadador Xuxa: “Ele recorrentemente, em prévia de competições, tinha mal-estar. Uma vez torceu o tornozelo na casa dele, a caminho da prova.”
Marisa lembra que os escalados para uma seleção são indivíduos altamente habilitados, mas faz a ressalva. “Sem dúvida são muito bem preparados física e fisiologicamente, inclusive no controle emocional, que não é exigido só na hora de bater o pênalti. Entretanto, uma situação pode ser mais estressante para alguns, para determinados organismos, e não é por isso que são uns ‘amarelões’ ou ‘bunda-moles’”, destaca.
Ela reconhece que muitas lesões pré-Copa têm sido ocasionadas por acidentes, como o caso de Drogba, mas observa que mesmo este tipo de lesão, considerada traumática, possui relação com o grau de concentração e atenção do jogador. “É um nível de concentração muito sutil, e o atleta sabe quando está totalmente ligado. Uma coisa é atravessar uma piscina debaixo d’água, quando não se pode deixar de prender a respiração; no entanto, ao cruzar a piscina com a cabeça para fora, é possível se esquecer de bater a perna, o que pode significar muito para o atleta, além de afetar seu desempenho”, ilustra.
Outros fatores apontados por Marisa se referem à espera e à ambientação ao local da competição. “Os atletas precisam segurar, aguentar a ansiedade, essa espera, esse burburinho...” A psicóloga ainda ressalta que um ambiente novo leva a estímulos diferentes.
A especialista recorda o episódio vivido por Elisângela Adriano nas Olimpíadas de 2004, em Atenas, quando a atleta admitiu que competir no Estádio Antigo de Olímpia, berço dos Jogos Olímpicos (onde nunca antes mulheres haviam competido), mexeu com seus nervos. Na ocasião, a arremessadora de peso já entrou chorando no estádio e obteve um mau resultado – a 18ª colocação geral nas eliminatórias da prova.
O capitão Ferdinand contundido
Português Nani: na última hora
Em relação ao futebol, Marisa é enfática ao afirmar que a ausência de férias antes da Copa, aliada ao histórico pessoal e ao excesso de pressão e de exposição que sofrem estes jogadores, pode prejudicar a saúde física e psicológica. “Potencialmente, em processos de alta exigência, qualquer fator pode disparar numa lesão”, afirma.
A falta de um período de descanso entre o final das temporadas e o começo das preparações do Mundial é apontada por Sâmia Hallage, psicóloga da seleção brasileira feminina de vôlei, como quesito principal. “O planejamento para uma competição normalmente prevê um período para o atleta se recuperar também na parte psicológica”, diz. “O atleta precisa se desligar da rotina de treinos para se programar para a próxima temporada.”
Sobre as lesões pré-Copa, Sâmia reitera que, quando o atleta está cansado, tem sua capacidade de concentração diminuída, de modo que o risco de lesão é maior. “Ele não consegue se concentrar na atividade e se lesiona mais facilmente, já que o foco de atenção não está exatamente naquilo que está fazendo”, explica a psicóloga, ressaltando a importância de se analisar a questão caso a caso. “É importante pensar no indivíduo, olhar para a história de vida dele, pois cada um passou por determinadas experiências.”
É quase boxe
Para José Sanchez, médico do São Paulo, “o problema existe independentemente da Copa do Mundo”. “Mas o fato de haver uma Copa faz as pessoas prestarem atenção a isso”, diz.
O médico admite que os jogadores estão sendo muito exigidos quando “deveriam estar descansando”. “Quase todo mundo emendou, não parou, e este é um fator preponderante. Eles não tiveram o tempo ideal para deixar o corpo ‘zerar’”, afirma.
Fisioterapeuta do clube são-paulino, Ricardo Sasaki reforça que a ideia de que no final de temporada todos estão desgastados fisicamente. “A partir de uma avaliação das características físicas e técnicas, cada um deve ter o seu próprio treino fixado”, observa.
Sanchez recorre a outra explicação para o número de lesões antes da Copa: “O esporte, de modo geral, evoluiu muito. O vôlei, por exemplo, criou a linha dos 3 metros. No futebol, a capacidade física do atleta aumentou demais, mas o campo e a quantidade de jogadores numa partida são os mesmos, portanto há mais choque.”
Ele completa: “Antes não havia fratura de nariz, quebra de dente, esse tipo de lesão. Isso demonstra o vigor maior do jogo, mas os jogadores têm suas limitações, afinal são seres humanos.”
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