31/05/2010 - 07h00

Na Europa, jogadores são "protegidos" por garçonetes, taxistas e Susana Werner

Vinicius Mesquita
Em São Paulo

A perseguição pela Europa

  • Vinicius Mesquita/UOL

    Júlio Baptista não tem frescura

  • João Wainer/Folha Imagem

    Susana Werner até tentou ajudar

  • Vinicius Mesquita/UOL

    Camisa do Kaká em liquidação

 

Nove dias, distribuídos entre Roma, Milão e Madri, deveriam ser suficientes para entrevistar quatro jogadores que representam a filosofia imposta à seleção pelo técnico Dunga. Errei: minha avaliação estava equivocada. Falar com os requisitados atletas brasileiros que vivem na Europa se tornou uma tarefa muito mais complexa do que eu imaginava. E foi a partir deste argumento que resolvemos (eu e o meu editor, eis o motivo desta primeira pessoa do plural...) revelar este “diário de bolso”, apresentando informações sobre o comportamento de astros do Brasil e o séquito que lhes rodeiam.

Em primeiro lugar, concluímos que o perfil do zagueiro Lúcio, dos meias Júlio Baptista e Kaká e do goleiro Júlio Cesar definia o estereótipo do jogador ideal projetado por Dunga. O comportamento dos quatro revelava com exatidão o bom-mocismo defendido pelo treinador desde 2006 e o tema poderia render uma boa série de reportagens.

Júlio Baptista e o fã taxista

Das entrevistas necessárias, duas foram previamente agendadas: Júlio Baptista, em Roma; e Lúcio, em Milão. Os representantes de Kaká diziam que ele “não queria falar porque não estava jogando”. Nesta época, durante a última semana de abril e as duas primeiras semanas de maio, o sumiço do meia nas partidas do Real Madrid tinha duas justificativas: parte da imprensa espanhola dizia que ele estava se recuperando de uma distensão muscular na coxa esquerda, e a outra parte garantia que ele sofria com um problema crônico no púbis. Neste meio-tempo, o goleiro Julio Cesar permanecia incomunicável.

Desembarquei em Roma em uma segunda-feira pela manhã. Após deixar as malas no hotel, segui à risca o combinado no Brasil e liguei para Júlio Baptista para confirmar a entrevista previamente agendada para 11h. Eram 9h. Júlio parecia assustado com a ligação. Provavelmente estava dormindo e eu tinha acabado de acordá-lo. Pensei: “Putz, que m..., agora ele vai ficar mal-humorado”. Errei. Júlio disse: “Parceiro, podemos nos encontrar depois do treino? Lá pelas 14h?”

E eu respondi: “Claro, Júlio. Para mim, não tem problema. Eu ligo para você?” E ele: “Não, parceiro. Pode deixar que eu ligo.”

Fiquei apreensivo com a possibilidade de levar “um cano”, mas ele ligou e acertamos o encontro próximo de sua residência. Nós conversamos em um pequeno café chamado Cornatora. “Este é um lugar onde podemos ficar sossegados”, justificou. Após quase duas horas de entrevista, Júlio atendeu ao telefonema de sua noiva, a espanhola Silvia Nistal, e disse que em poucos minutos estaria em casa.

Os restaurantes dos boleiros

  • Vinicius Mesquita/UOL

    Jero tem até "festa brasileira"

  • Juliana Lopes/UOL

    Giannino é o favorito de Milão

  • Vinicius Mesquita/UOL

    Em Madri, Kaká vai aos bascos

“Vou dar uma carona para você até onde tem um ponto de táxi. Preciso voltar. Eu teria levado você até o centro da cidade, mas tenho outras coisas para fazer.”

E eu respondi: ‘Não tem problema não, Júlio. O ponto de táxi está perfeito.”

O taxista me viu saindo do carro do Júlio e perguntou: "Você trabalha com futebol? É empresário? O Júlio vai deixar a Roma?" Sufocado pela cachoeira de questões, encontrei espaço apenas para dizer que estive com o atleta só para fazer uma entrevista. "Ele não é um craque, sabe", voltou a dizer o taxista. "Mas gosto dele. Já o levei em meu carro. Não quero que deixe o nosso time."

No dia seguinte, caminhei mais de 20 quilômetros a pé para encontrar dois dos locais preferidos de Júlio: os restaurantes Shinto e Jero. No Shinto, não fui muito bem recebido. Localizado em área nobre da cidade, o recepcionista da casa especializada em comida japonesa disse que ninguém lá dentro poderia falar nada antes de ter a permissão de Júlio. “Quanto medo!”, pensei. E disse: “Ok, vocês podem me ligar?” E o recepcionista: “Claro! Nós retornamos” E eu imaginei: “Claro, tá bom, vou esperar sentado...” Óbvio, ninguém ligou.

No Jero, valorizado pela refinada culinária local, consegui acertar uma entrevista para o início da noite. “Nós adoramos futebol”, disse Roberto Recchiuti, um dos proprietários. “Todos os jogadores aparecem aqui: Totti, De Rossi, Luca Toni...”

“Mas e os brasileiros?”, perguntei. “O Júlio disse que gosta daqui...”

“Jogadores do Brasil? Sim! Acho o Kaká incrível! E o Falcão? Não esqueço dele! Você conhece o Careca, ex-centroavante do Nápoli? Aquele sim jogava futebol!"

"Mas e o Júlio Baptista?", insisti.

Sim, o Júlio, ele é muito simpático. Ele vem sempre com o Juan e com o Taddei, seus colegas da Roma. O Júlio gosta de comer peixe. É um cara muito na dele. Tentamos deixar os jogadores à vontade. Não é muito legal ficar aborrecendo com pedidos de autógrafos e fotos alguém que está jantando”, disse Recchiuti. "São tantos brasileiros que até criamos uma festa típica aqui, com a culinária e a música do Brasil, todas as quintas."

Julio Cesar: ocupado

Em Milão, nos próximos três dias, tinha a obrigação de entrevistar Lúcio e Julio Cesar, e ainda fazer uma reportagem sobre Ronaldinho Gaúcho. Era quinta-feira pela manhã e a Inter tinha conquistado no dia anterior o título da Copa da Itália após vitória sobre a Roma. Falar com Lúcio e Julio Cesar no dia da “ressaca pós-festa” não seria tarefa fácil. Uma funcionária da prefeitura de Appiano Gentile, vilarejo da província de Como, local onde está localizado o Centro de Treinamento da Inter, não aguentava mais ouvir histórias sobre futebol.

"Estes torcedores só prejudicam a cidade. Fazem barulho, quebram coisas. É um enorme aborrecimento", disse. Segundo a funcionária, a cidade parou naquela manhã após a bagunça da noite anterior promovida pelo restaurante A Tarantula, pequeno recinto badalado pelos locais. Com os jogadores da Inter de folga, resolvi deixar de lado a pacata Appiano Gentile.

Já barrei jornalistas da BBC e da Al Jazeera. Quem vocês pensam que são?(Luigi Crippa, assessor de imprensa da Inter de Milão)

Pelo telefone, acertei a entrevista com Lúcio e marcamos o encontro para o dia seguinte, uma sexta-feira, na recepção do hotel Meliá Milano, às 14h. Com o Julio Cesar, a situação era oposta. O assessor de imprensa da Inter de Milão, Luigi Crippa, disse aos berros à fotógrafa Juliana Lopes que estava muito ocupado. E prosseguiu: “Vocês estão pensando o quê?! Só por que vieram do Brasil até Milão acham que vão fazer entrevistas quando bem entender? Eu já barrei jornalistas da BBC e da Al Jazeera! O que vocês pensam que são?”

Respondemos: “Nós simplesmente estamos comunicando nosso interesse em marcar uma entrevista com o goleiro Julio Cesar. Nada mais do que isso.”

E Crippa, em um esforço hercúleo para conter a irritação, respondeu: “Entendi. Mas vocês precisam entender o que está acontecendo! Estou muito atarefado após a conquista deste título. Será que vocês podem entender?! Temos muito que fazer e o Júlio está muito ocupado agora.”

Ok. Julio está “muito ocupado”, afirmou Crippa. Será? No mesmo dia, ligamos para sua mulher, a modelo Susana Werner, e ela disse: “Oi! Tudo bem? O Julio? Ele voltou para casa ontem lá pelas 3h da manhã. Comemoração do título! Ele ainda está dormindo. Mas vou dar um telefone de uma assessora dele para você marcar uma entrevista. Tenha fé! Vai rolar a entrevista! Diga à assessora que eu dei o número dela para vocês”, explicou Susana.

Clássico Giannino virou ponto de encontro

  • Proprietário de restaurante em Milão dá a receita para conquistar Ronaldinho e Pato pelo estômago

Era meio-dia e Júlio ainda estava dormindo. Minha última opção seria telefonar para a tal assessora do goleiro. “Olha, a agenda dele está cheia e ele não dá entrevistas por telefone”, disse a assessora. “Mas você já tem meu contato. Vamos falando.”

“Vamos falando? Obrigado por nada”, pensei. Após o fracasso com Julio Cesar, tinha que estar em Madri no dia seguinte, um sábado, para fazer uma reportagem sobre Kaká.

Distante da torcida

Em Madri, Kaká deveria defender o Real Madrid diante do Athletic de Bilbao, pela penúltima rodada do Campeonato Espanhol. Antes de chegar ao estádio Santiago Bernabéu, arrisquei um passeio pelo sofisticado bairro La Finca, local onde está a residência de Kaká. Claro. Não pude entrar, mas deu para conhecer o centro comercial do condomínio.

"Estes jogadores de futebol que moram aqui nunca saem de casa. é raro encontrá-los", disse a garçonete de um pequeno café que preferiu não se identificar. Kaká tem como vizinho o português Cristiano Ronaldo e o francês Karim Benzema, seus companheiros de Real.

Pelo telefone, o empresário de Kaká disse que o jogador aceitaria dar a entrevista, mas somente quatro dias depois, durante evento promovido por um dos patrocinadores do atleta, em Valencia. Achei ótimo, mas lembrei que eu só tinha menos de dois dias em Madri e data marcada para retornar a São Paulo. Passamos a tarefa para o repórter Thales Calipo, que a essa altura estava em Barcelona para entrevistar o argentino Messi, curiosamente em outro evento promovido por patrocinadores.

Não desisti do Santiago Bernabéu. Mesmo surpreendido pelo adiamento da entrevista com Kaká, fui ao estádio para montar a reportagem sobre a relação da torcida do Real com o astro da seleção brasileira. O meia estava no banco de reservas, entrou só no segundo tempo e participou pouco da goleada de seu time por 5 a 1. Nas arquibancadas, torcedores diziam-se decepcionados com seu futebol.

"Se o Kaká é bom? Eu não sei. ele não joga! Pelo que ele custou ao time, não acho que esteja rendendo", disse o torcedor Jose Manuel. "Não tem sangue para jogar no Real. Ele não parece decisivo", comentou o estudante Alex Lopez.

Se o Kaká é bom? Não sei, ele nunca joga (José Manuel, torcedor do Real Madrid)

No domingo, fui pesquisar os dois restaurantes que Kaká costuma frequentar: o Mesón Txistu e o Asador Donostiarra, ambos especializados em comida basca. O maître do Donostiarra, José Montealegre, disse que Kaká é, entre os jogadores que freqüentam o local, o mais amável. “Ele leva mais de 30 minutos entre a mesa e a porta de saída. Depois que ele acaba de comer, todas as pessoas que estão por aqui levantam para pedir um autógrafo ou uma foto. É um rapaz muito compreensível”, diz Montealegre, que também tem como cliente Cristiano Ronaldo, Fernando Torres, David Beckham, Johan Cruyff, o cantor Julio Iglesias e o ator Antonio Banderas, entre outros.


 

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